
ROMAN STULBACH
diretor de Missa do Galo
Qual o seu envolvimento com Machado de Assis?
Dentre tantos textos possíveis, por que você optou por
adaptar A Missa do Galo?
O que norteou o trabalho de adaptação?
Leitor assíduo de brasileiros, Machado certamente foi um de
meus preferidos. Como estudante de cinema (o filme é de 1973.
Eu já havia terminado o curso de cinema na ECA-USP em 1970, mas
continuava ligado à Escola), sempre me interessou a adaptação
literária: estudei e/ou acompanhei de perto roteiros de meus
professores na época: Roberto Santos em Matraga, Paulo Emilio
Salles Gomes com o roteiro de Capitu de Saraceni, Maurice Capovilla
buscando, no A urna de Walter J. Durst, a fonte inicial para o seu Profeta
da fome e outros.
A idéia de filmar Missa do Galo foi basicamente de um exercício
de adaptação literária, mesmo que no início
dos conturbados anos 70. Eu vinha da montagem de Bang Bang de Andrea
Tonnacci, de meus próprios curtas Por exemplo Butantã
e Steiberg, da montagem de boa parte dos curtas, de então, da
Escola, quase todos buscando inovações na linguagem, das
primeiras pornochanchadas, dos primeiros filmes "marginais",
das discussões acaloradas sobre cinema na escola, na "boca
do lixo", nos botecos... Para quem assistia e participava das rupturas,
de então, na linguagem cinematográfica, escolher Machado
e tentar ser fiel às suas sutilezas, acho que foi um desafio.
Missa do Galo é um dos contos de Machado que mais apaixonam qualquer
jovem pequeno burguês – o erotismo contido entre duas gerações
na mesma sociedade: sutil, meio irônico, sem tragédia porque
escondido ou imaginário. Um retrato do dia-a-dia de uma recém-nascida
classe média brasileira, seus costumes, sua casa, seu tesão
reprimido quase realizado. A intenção do filme foi de
criar um minirretrato fiel da sociedade pequeno burguesa carioca de
Machado de Assis: a decoração de época sem esquecer
os elementos kitch, o comportamento contido mas insinuante dos personagens.
Um exercício de roteirizar, produzir e filmar uma pequena conversação
(como o próprio Machado chamou este momento) entre um jovem e
uma senhora, numa situação de privacidade, onde vai aflorando,
sutilmente, o desejo.
O roteiro, feito com a importante colaboração da Prof.
Gilda Rocha de Mello e Sousa, teve apenas uma opção polêmica:
a inclusão de um beijo entre os dois personagens. O beijo, que
não está descrito em Missa do Galo, é real, mesmo
que sonhado pelo jovem personagem, em Uns braços. Ambos os contos
tem personagens de características idênticas, como se fossem
complementares. O leitor, hoje e na época de Machado, podia muito
bem, se assim o desejasse, optar pela relação física
entre os personagens. Professores de literatura importantes, como Antonio
Cândido e Afrânio Coutinho, que viram o filme na década
de 70, aprovaram a adaptação.
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