Machado de Assis (1839-1908) é considerado um dos maiores romancistas da literatura brasileira, o mais importante autor do século XIX. Acompanhou e descreveu, com precisão, as ambigüidades de uma sociedade em transição de um regime antigo para outro moderno, em que entravam em conflito, e por vezes de confundiam, escravismo, patriarcalismo e liberalismo. Entretanto, se a ascenção de uma sociedade moderna o interessou à medida que alterava o modo como as pessoas pensavam e se relacionavam, os aspectos exteriores, mais visíveis, não foram objeto de sua excitação, ao contrário do que aconteceu a outros cronistas da época. Machado conviveu, em seus últimos doze anos de vida, com a existência do cinema na cidade do Rio de Janeiro, mas a sétima arte não lhe despertou qualquer interesse.

O cinema brasileiro, nesse período, se dedicava apenas a vistas, paisagens e rituais do poder. Segundo algumas fontes, o primeiro filme de ficção (“posado”) brasileiro seria realizado apenas em 1908, ano de sua morte. Desde então, passaram-se quase seis décadas e, de maneira algo recíproca, Machado de Assis despertou interesse quase nulo por parte dos cineastas. A exceção foram duas iniciativas do ince – Instituto Nacional do Cinema Educativo, em 1937 e 1938, sendo, a primeira, a filmagem (perdida) de uma peça de teatro e, a segunda, uma adaptação de um conto, antecedida por um breve documentário, dirigida por Humberto Mauro. Machado de Assis entrava no cinema como entra nas salas de aula, isto é, como elemento educativo.

Apenas na década de 1960, a obra do Bruxo do Cosme Velho é incorporada definitivamente às possibilidades dos cineastas. A partir de então, foram feitas algumas dezenas de longas e curtas, que apresentamos nessa mostra. Cada um desses filmes retoma a obra de Machado de uma maneira diferente – atualizando ou não a trama, alterando ou não o enredo, adotando as mais diversas propostas estéticas cinematográficas. Tais filmes desempenham a função de uma memória póstuma de Machado, apresentando, de acordo com os anseios de quem evoca essa referência anterior, novas possibilidades para sua obra – recriando-a e reformulando-a.

Brás Cubas, na abertura de suas Memórias póstumas, dedica-as “ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver”. Machado de Assis, personagem (de certa forma, ficcional) das celebrações de seu centenário de morte e, portanto, desta mostra, dedica, então, suas memórias póstumas a todos os leitores e espectadores que se alimentam de seu cadáver imortal. Que tenham uma boa digestão!

 

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